4 atos

amanhecia
eu acordava
eu te observava
eu devorava
você me via
eu te beijava
te fazia piada
você sorria
às vezes chorava
hora, com motivo
hora, sem motivo
hora, eu compreendia
hora, eu me arrependia
você corria
eu te pegava
você gritava
eu agradecia
eu sonhava
você deitava
eu dormia
você dormia

amanhecia
eu acordava
você dormia
eu saía
você dormia
você acordava
não me via
eu voltava
você gritava
hora, com motivo
hora, sem motivo
eu não compreendia
eu me arrependia
você sonhava
eu deixava
até agradecia
te fazia piada
você dormia
eu te beijava
você corria
eu dormia
você dormia

amanhecia
eu dormia
você acordava
eu acordava
você corria
eu deixava
eu agradecia
você sonhava
eu me arrependia
eu gritava
você gritava
hora, com motivo
hora, sem motivo
eu fazia piada
você sorria
voltava a gritar
eu a te observar
eu te pegava
eu te beijava
você me batia
você gritava
gritava
eu corria
eu me escondia
enfim, dormia

amanhecia
eu acordava
você acordava
eu não te via
eu não te sentia
eu até agradecia
dessa vez sem gritaria
eu fazia piada
mas ninguém ouvia
eu, sozinho, sorria
era o que eu sonhava
por isso, eu agradecia
não mais beijava
não mais devorava
não mais corria
não compreendia
mas não me arrependia
apenas dormia
hora, com motivo
hora, sem motivo
apenas dormia

Entrelinhas

Mastiguei cada palavra,
engoli todas com medo.
Algumas desceram
e saciaram meu estômago.
Outras passaram pelo peito
e voltaram à superfície.
Encheram minha boca
e sorrateiramente saíram.
Todas soaram como acerto
mas algumas se perderam no ar.
Outras foram ao chão.
As poucas que chegaram
ao pé do teu ouvido
quiseram voltar com nervosismo.
Mas a força do meu fôlego
permitiu que continuassem
e adentrassem por tua cabeça.
Não perderam tempo.
Foram logo procurar tuas veias
e quando enfim acharam,
foram direto ao coração
que em meio à tanta surpresa,
se encheu de silêncio
para que as palavras,
e somente elas,
ecoassem pelo resto do corpo.
Não precisei dizer mais nada,
nem precisaste tu
devolver cada palavra.
E em meio à tanto desconcerto,
tanto desazo,
cada gesto teu,
desde um piscar de olhos
até quando teus braços
que em ato de rebeldia
decidiram me envolver,
dispensaram cada letra,
provando que o silêncio
é a linguagem das almas ansiosas.
Ele esteve à beira do precipício várias vezes. Ele, tantas vezes chamado de Augusto, agora se desfazia desse nome, se desfazia da sua vida e do seu passado. Ele, chegou novamente à beira do precipício, e, ao contrário do que se pensa, não deixou o impulso o dominar. Não. Ele simplesmente parou. O importante naquele momento não era dar o próximo passo adiante. O importante era observar cuidadosamente a vista do que vinha a seguir. O importante era entrar com cautela no novo mundo.
A gente tem mania de achar que sempre tem alguma coisa faltando. E perdemos um tempo precioso pensando que sempre precisamos de alguém pra nos sentir completos. Que sempre precisamos de dinheiro pra realizarmos nossas vontades. São esses minutos gastos em vão que irão realmente fazer falta no final. O irônico, é que, simplesmente, o que nós precisamos é de tempo. Sempre tempo.



Versos Simples

viola meus sentimentos
da forma mais indecente
e sai com ar de riso
com cara de inocente

finge raiva e desespero
dor de cabeça e lamento
mas no fundo a saudade dói
é pior que qualquer tormento

acha que pode passar por cima
e enterra a certeza em si
finge não dar importância
no fim sempre morro dentro de ti

perdoa, meu coração
amargura só azeda
para tudo e congela
entorpece de insatisfação

não mude de rotina
não finja não sofrer
vomita tudo pra fora
é melhor que se esconder

sequer sobraram palavras
pra rimar com esse fim
por isso termino assim
simples e tristonho
comovido, atento
e até risonho
por lembrares tu de mim

                                                                     
                                                                             (à J.C.)
Os idiotas se escondem atrás de poemas. Os inteligentes dizem na cara tudo o que há pra ser dito. Mas isso é um dom e nem todos nascem com ele.

Miserável



Só.
Miseravelmente só!
Eu?
Eu não me importo,
vou seguindo de lado,
bem de lado
de tudo aquilo que já fui,
de tudo aquilo que já fiz.
Dessa vez
a velha história se repete,
mas em preto e branco.
Sem cores pra pintar
o mesmo velho drama.
Vou encher as paredes da minha memória
com quadros e fotos minhas
pra esconder todas as rachaduras.
Vou me enganar
até na frente do espelho.
Vou pôr minha cara de coragem
e engolir o teu desprezo
com cachaça e lágrimas.
Vou praticar meu desapego.
Pra quê amigos?
Pra quê dinheiro?
Pra quê amor?
Tenho as paredes do meu quarto.
Elas me conhecem
bem mais do que eu.
E eu nem ligo,
nem ligo que as horas passem rápido.
Afinal,
os ponteiros apressam tua saída.
E enquanto não chega a hora,
vou me escondendo
dos dias que quiseram ficar longos.
Só.
Miseravelmente só.